terça-feira, 7 de maio de 2013

Sobreira: as voltas a que o destino obriga


A fundação do povoado

Poder-se-ia afirmar que a Sobreira nasceu no castro ("castelo" lhe chama o povo) que tem assento nas suas proximidades, se conseguíssemos provar, depois, que o povoado medieval ou moderno proveio daquele - operação que, em boa verdade, se nos afigura mais do que difícil, impossível.
Deixemos, pois, o povoado castrejo e passemos à Sobreira medieval. É acerca dela que perguntamos: Quem a fundou? Em que data o fez? Como? Com que fins?
Não sabemos quem fundou a povoação da Sobreira; muito menos em que circunstâncias o fez. O que sabemos é que, em 1530, por ocasião do primeiro censo efectuado em Portugal, o povoado contava apenas com dois moradores (fogos). Uma simples quinta, por conseguinte.
Este dado poder-nos-ia levar a pensar, à primeira vista, numa fundação moderna (séc. XV ou XVI). Todavia, a evolução demográfica, prenhe de altos e de baixos, por um lado, e o facto de as inquirições de 1258 já nos falarem da Sobreira ("Sobreiro", no original; por lapso, evidentemente), por outro, levam-nos a suster um juízo menos ponderado.
Será, então, que o lugar já existia em 1258, no tempo do rei D. Afonso III? Cremos que sim, ainda que a resposta seja difícil, porquanto a palavra "villa", que o documento usa para a denominar, tenha, nessa altura, um significado bastante vago, podendo significar um prédio ou um conjunto de prédios rurais, dotado(s) ou não dum núcleo habitacional.
Ainda segundo essas inquirições, a vila rural da Sobreira pertencera, antigamente, ao rei (D. Sancho 1? D. Afonso Henriques?), mas fora, de seguida, indevidamente deixada ao abade murcense D. Mem Gonçalves pelo seu pai, que morava nela e no Candedo; este, por sua morte, legara-a, finalmente, à igreja de Santiago de Murça, no tempo de D. Sancho II (1223-1238).
Sendo assim, é provável que tenha sido um dos nossos primeiros monarcas, ou algum dos seus delegados, o primeiro a levar a peito o cultivo e, talvez, também, o (re)povoamento dessa vila rural ("villa").

Uma povoação dividida entre Murça e Abreiro
Nem a carta de foro de Noura e Murça, de 1224, nem a de Abreiro, datada de 1225, mencionam o sítio da Sobreira. Os limites por elas traçados são demasiado vagos. A carta de foro de Abreiro parece até incluir no seu território a cunha actualmente formada pela Sobreira mais o seu termo. Reza ela o seguinte: "[...] Como [Abreiro] parte com Lamas de Orelhão, por cima do Candedo, pela porta de Porrais, ao curso do Tinhela, em oblíquo, pela foz do Tinhela e vai aonde primeiro começámos [foz do Cobro]".
O que pensar, portanto?
O censo de 1530 coloca o lugar da Sobreira no município de Murça de Panóias. Mais: apesar do auto de numeramento da população do concelho de Abreiro estar assinado pelo juiz, por um vereador, um homem-bom, o tabelião e o procurador do município, nada, absolutamente nada, nos é referido sobre a pertença de parte alguma da Sobreira ao dito concelho. Conclusão: esses dois moradores tinham as suas residências na área do município murcense.
Ao contrário, o Promptuario das terras de Portugal, editado em 1689, apresenta-nos uma situação um pouco diferente. Nas suas palavras, a vila de Abreiro "tem no termo os lugares seguintes: Navalho, Sobreyra, Milhaes, Longra". Todavia, mais adiante, ao enumerar os lugares que integram o termo da vila de Murça, menciona igualmente o nome da Sobreira. Segundo esta fonte, portanto, a Sobreira, que tivera a sua origem, como povoado moderno, pelo menos, dentro do concelho de Murça, desenvolveu-se, entrementes, para nascente e entrara no termo abreirense. Sendo assim, a fronteira que dividia os dois municípios limítrofes passava, então, pelo meio da referida povoação. Qual seria ele? - perguntamos nós. Não o sabemos ao certo, pois nenhum documento no-lo diz; cremos, porém, que fosse a ribeira que atravessava o lugar no sentido nordeste-sudoeste, contornando o monte do Castelo.
A informação trazida pelo Promptuario das terras de Portugal é confirmada pelos documentos do séc. XVIII, nomeadamente a Corografia portugueza (1706), as Memorias parochiaes (1758) e pelo Mappa do estado actual da provinçia de Tras os Montes (1796). Efectivamente, no testemunho da Corografia portugueza, o concelho de Abreiro abarcava as freguesias de Milhais, Longra, Navalho e "a metade do lugar de S. Braz da Sobreyra, cõ treze visinhos, e lula fonte". A outra metade fazia parte do município de Murça. A freguesia da Sobreira, no seu todo, "tem quarenta visinhos, a Igreja Parochial da mesma apresentação [do Prior, e Cabido da Collegiada de Guimaraens], e nenhuma Ermida, e duas fontes; produz muito azeite, vinho, trigo, cevada e sumagre".
Com mais pormenor ainda, as Memorias parochiaes referem que "parte o termo pealo meyo do lugar: metade metade he do concelho de Murça e metade do concelho da villa de Abreyro". Consequentemente, o lugar tinha doissenhores temporais (o senhor de Murça, Brunhais, Água Revés e da Torre de D. Chama, para a parte de Murça, e a Casa do Infantado, para a de Abreiro) e, também, dois senhores no que toca ao espiritual (a Colegiada de Guimarães, para a parte murcense, e a Ordem de Malta, para a parte abreirense).
Face a tão insólita situação, o juiz Ribeiro de Castro, a quem D. Maria 1 incumbiu de uma nova demarcação administrativa da província trasmontana, propôs, em relatório de 1796, que o município de Murça "largue metade do lugar da Sobreira para se unir á outra parte que hé da villa de Abreiro, donde dista huma legoa, e duas a esta villa de Murça e hé tão diminuta que so tem 12 fogos e 42 almas".
A ambiguidade manter-se-ia. O censo de Pina Manique,126) com data de 1798, e as Instrucções necessarias para a convocação das Côrtes Geraes,(27) de 1826, colocaram a freguesia da Sobreira no município de Abreiro. Teria a rainha aceite a proposta do juiz demarcante? Tal, pelo menos, não aconteceu às restantes sugestões. A unificação da freguesia no aspecto civil e religioso dar-se-ia, sim, mas uns quarenta anos mais tarde e dentro do concelho de Murça. Para que isso acontecesse, seria preciso, primeiro, que se publicasse o decreto da extinção dos senhorios ou donatarias, com Mousinho da Silveira, em 1832, e, de seguida, provavelmente, se aplicasse uma das sucessivas reformas administrativas liberais (1832? 1835? 1836? 1842?).

A presença dos Hospitalários

Ao abrir os registos paroquiais da freguesia de S. Brás da Sobreira, o seu cura, o padre Gonçalo Borges de Araújo, diz fazê-lo "por commisam do doutor frei Manoel de Sam Carlos vigario geral da Sagrada Religiam de Malta". Depois de ter confirmado essa pertença a Malta, as Memorias parochiaes acrescentam que o padroado da igreja pertence um ano à Ordem de Malta e outro à Colegiada de Guimarães. Perguntamos: Como é que a Ordem do Hospital de Jerusalém (a partir de 1530, rebaptizada com o nome de S. João de Malta) entrou na Sobreira?
Dizem as inquirições de 1220 que os Hospitalários tinham, então, na paróquia de Santiago de Murça um casal, e que um tal Pêro Gomes lhe dera a terça parte de quanta herdade tinha na paróquia de St.° Estêvão de Abreiro. Esclarecendo melhor, as inquirições de 1258 informam que Pêro Gomes ingressara na dita Ordem e lhe dera uma leira em Abreiro, a qual, aliás, pertencia ao rei. E avança mais: dois indivíduos (um dos quais devia ser o tal Gomes), que neles moravam, tendo ingressado na Ordem do Hospital, lhe deixaram dois casais: um no tempo de Afonso II (1211-1223) e outro quando Murça recebeu a primeira carta oficial de foro (1224). É provável que esses três casais entregues à Ordem pelos dois ingressos se localizassem na fronteira do concelho de Murça com o de Abreiro, isto é na *vila rural da Sobreira ou nas suas imediações.
Desejando amercear o município de Vila Real com um bom termo, D. Dinis escambou (trocou), em 18.Ago.1305, as suas povoações de Abaças, Abreiro e de Garganta pelas de Sesmires, Vila Nova e Veiga do Cabril, que ficavam nos arredores de Vila Real e pertenciam aos Hospitalários. Meses depois, a 27.Ago., fez-lhe doação perpétua e irrevogável do padroado da igreja de St.° Estêvão de Abreiro. Resultado: de três ou quatro casais ou herdades, os Hospitalários passaram a usufruir o senhorio temporal (foro, administração e justiça) e espiritual (apresentação do pároco, dízimos e outras pequenas regalias) do município de Abreiro e seu termo - portanto duma parte da Sobreira.
Quando a Ordem se organizou em ramos e comendas, Abreiro, que formou um ramo, foi integrada na comenda de Poiares (actualmente do concelho do Peso da Régua).
A partir do séc. XVIII, a região desenvolveu-se ainda mais. A Ordem de Malta viu os seus dízimos aumentarem. Uma comissão que se deslocou a Abreiro, em 1771, a fim de proceder ao inventário dos bens e rendimentos que a Ordem aí possuía, opinou que, apesar de algumas limitações, Abreiro "era a freguezia mais propria para Cabeça de outra Cõmenda". A nova comenda compreenderia, além da freguesia de Abreiro, as de Barcel, Navalho e da Sobreira. O seu rendimento seria de 300 000 réis.
O senhorio de Malta sobre o município abreirense terminaria com a extinção da Ordem de Malta, em 30.Jun.1834.(16)

Da Coroa à Casa do Infantado, passando pelos marqueses de Vila Real

Durante a crise dinástica e social de 1383-85, os Hospitalários tomaram, desde a primeira hora, o partido favorável a D. Leonor, D. Beatriz e a D. João de Castela. Os seus priores, primeiro Pedro Álvaro Pereira, irmão de Nuno Álvares Pereira, e de seguida Álvaro Gonçalves Camelo, tornaram-se dos principais defensores da causa estrangeira. Só depois de Aljubarrota, se mudaram. Para os castigar, D. João, mestre de Avis, retirou-lhes os seus bens.
Abreiro e Freixiel regressaram, assim, às mãos da Coroa. Por algumas décadas, apenas. Efectivamente, em 24 de Julho de 1476, D. Afonso V fez doação perpétua dos referidos municípios a D. Pedro de Meneses. Este, além de sobrinho seu e governador da praça de Ceuta, era também o 5º conde e o 3° marquês de Vila Real. O domínio secular da Sobreira abreirense transitou, desta feita, para os Meneses de Vila Real.
A rivalidade que opôs a Casa de Vila Real à de Bragança iria atraiçoar a primeira. De facto, a 29 de Agosto de 1641, D. Luís de Noronha e Meneses, 7º Marquês de Vila Real, foi executado no rossio de Lisboa, juntamente com outros magnates, por conjura contra D. João de Bragança, já então rei de Portugal (1640-1656). Os seus bens foram confiscados e entregues à Casa do Infantado, que os desfrutou até 18 de Março de 1834, data em que foi extinta pelo regime liberal. O seu património foi, então, integrado na Fazenda Nacional, que o vendeu em hasta pública.»

A criação da paróquia

De pequenas medidas, tanto no território como na população, a freguesia da Sobreira só pôde ter sido criada pela Ordem de Malta. Sim, só o poderio maltês podia tomar a iniciativa e a responsabilidade da sua fundação.
Ao abrir os registos paroquiais, o cura sobreirense diz fazê-lo "por commisam do doutor frei Manoel de Sam Carlos vigario geral da Sagrada Religiam de Malta". Ao apresentar a freguesia, as Memorias parochiaes referem que ela é "da Sagrada Religiam de Malta". Depois de criada, a freguesia ficou *anexa não ao Candedo, do mesmo concelho onde ficava situada a maior parte da Sobreira, mas a Abreiro, cujo padroado pertencia a Malta. Não conhecemos para estes factos outra explicação, senão aquela.
Quanto à data, cremos que a novel freguesia aparece algumas décadas mais tarde que as suas vizinhas, já do município de Murça, já do município abreirense cuja criação foi, segundo julgamos, consequência da reforma religioso-administrativa trazida pelo concílio de Trento (1545-1563). Pensamos, por isso, que a freguesia da Sobreira nasceu no séc. XVII. O seu patrono, S. Brás, confirma a sua modernidade.
A abertura dos registos da paróquia data de 10 de Novembro de 1707. Antes, a freguesia estava anexa, como dissemos, à de Santo Estêvão de Abreiro. As Memorias parochiaes, que são de 1758, fazem-nos ainda eco dessa ligação: [...] dizem se desanexara da Igreja Matris da villa de Abreyro antiguamente".
Apesar de a iniciativa da sua criação ter cabido à Ordem de Malta, os documentos do séc. XVIII deixam entrever um entendimento entre essa Ordem, que era senhora espiritual de Abreiro, e a Colegiada de Guimarães, senhora espiritual de Murça. Isso deveu-se ao facto de a povoação estar civilmente dividida entre os dois concelhos, como vimos.
O cura sobreirense é apresentado anualmente em regime de alternância, ora pelo cabido da Colegiada vimaranense, ora pelo comendador maltês de Poiares e, depois de 1771, de Abreiro. No ano da sua apresentação, o cabido minhoto dava-lhe dos dízimos cobrados "trinta alqueires de trigo e mais dois para ostias, dois almudes de vinho para missas, seis arateis de cera, dois arateis de sabam, des mil e seiscentos reis em dinheiro"; no ano do comendador maltense, o pároco recebia "somente vinte alqueires de trigo mais dois para ostias e dois almudes de vinho e cinco arateis de cera para missas, dois arateis de sabam para a roupa da igreja, seis mil e seiscentos em dinheyro". Como côngrua, "dam os moradores, cada caza, hum alqueire de pam". A diferença dos números traduz a superioridade da parte que pertencia a Murça sobre a que pertencia a Abreiro.
No fim do séc. XVIII (1796), os dízimos da freguesia rendiam 25 000 réis, e o vigário recebia 6 000 e o pé de altar.
Embora constituída por um só povoado, e esse pequeno, a freguesia da Sobreira manteve-se por muitos e muitos anos, apesar das sucessivas reformas administrativas do Antigo Regime e do Liberalismo. Entre 1886 e 1890,(24) contudo, a Sobreira foi anexada ao Candedo. Esse facto resultou, por certo, da aplicação do parágrafo 1.º do artigo 2.° do título 1 do Código Administrativo de 1886, que dispunha assim: 

“É, porém, da competencia do governo anexar, para os efeitos administrativos:
1.º (..)
2.° As freguesias que não tenham cidadãos elegiveis e sem incompatibilidades em numero dobrado, pelo menos, dos que são precisos para os cargos parochiaes, ou as que não tenham recursos sufficientes para occorrer ás suas despesas obrigatorias.”

Dada a íntima união entre o aspecto civil e o religioso durante a Monarquia, a anexação operada valeu tanto para um campo como para o outro. Por outras palavras, a Sobreira ficou anexada ao Candedo, tanto civil como religiosamente. De facto, quando a nova diocese de Vila Real se constituiu, em 20.Abr.1922, já não constava nela essa freguesia, nem mesmo anexada. Será que saiu, entretanto, algum diploma a extingui-la? Não o conhecemos.
Civilmente, a freguesia da Sobreira manteve-se anexada à do Candedo até 31.Dez.1936, data em que o decreto-lei n.° 27 424 a extinguiu e a integrou na do Candedo. Contava, então, com umas 205 almas.

O Concelho de Murça
Retalhos para a sua história
António Luís Pinto da Costa
CM Murça – 1992

Um comentário:

mario carvalho disse...

Caros amigos da Sobreira


A Sobreira é uma Aldeia que devia servir de exemplo a todo o Trás os Montes e ao país, pela capacidade de trabalho, empreendedorismo e sobretudo pelo seu amor à terra dos seus pais e avós.. por estas razões , enquanto que a grande maioria das aldeias estão a desaparecer, a Sobreira mantém-se e progride.

Pensam destruir o rio tua e as terras que o ladeiam, prometendo não sei o quê...

Já ouviu uma das partes interessadas... venha ouvir a outra ... sem qualquer interesse que não seja a defesa do nosso património , da nossa identidade e da nossa terra

Compareça no próximo sábado , dia 25 de Janeiro ,pelas 17H00 na Escola da Sobreira para se possam trocar opiniões e conhecer outros pontos de vista,

Preparem, por favor, as vossas questões e preocupações

abraço a todos